Rock em Belém-PA
Os estranhos sem ninho
(por Clei de Souza*)
Antes de começar a tratar do assunto aqui proposto, alerto que não sou especialista em arte nem em rock. Além de apreciador de canções, quando muito sou letrista, e ainda por cima bissexto. E é nesse território que eu me aventuro a andar, mas mesmo assim pisando em ovos. Feitas estas observações, vamos ao que interessa antes que o leitor se canse, se é que já não foi ler algo mais interessante.
O rock já não mais um adolescente. Há mesmo bandas que apesar de sugerirem isso em Belém, como Babyloides e Delinqüentes, já alcançaram a maioridade. Mas o ímpeto adolescente que move a cultura do rock faz com que a todo momento jovens de idade ou de espírito montem suas bandas.

Mas pra muitos quem faz rock será sempre o jovem imaturo demais pra ter sua produção levada a sério como obra de arte. Não que isso seja fundamental pra afirmação do rock, mas é que há bandas cujo diálogo extrapola as fronteiras do rock, dialogando com vários outros estilos musicais, mesmo com diferentes linguagens artísticas. É o caso de bandas como Norman Bates, que já traz no nome a alusão ao cinema e que dialoga com o pós-concretismo e com a decadência e a estranheza visceral de Augusto dos Anjos; era o caso também da Euterpia, herdeira pós-tropicalista da antropofagia oswaldiana. Também podemos citar a infelizmente dissolvida banda Cravo Carbono, com a poesia densa e moderna de Lázaro Magalhães e o Coisa de Ninguém, banda da qual, segundo a Keila eu sou o principal letrista.


Há muitas outras, as bandas aqui citadas são apenas um pequeno exemplo. Pode até o leitor que seja músico dizer, “Égua, esse cara não fala nada de música”. A esse leitor com razão contrafeito eu digo que isso é por ignorância e não por desprezo ou antipatia pelos músicos. Mea culpa feito, chego ao centro do problema que me mobilizou a essas mal digitadas linhas. O fato é que essas bandas, possuidoras de um trabalho especial com a letra, não alcançam o reconhecimento por parte daqueles que não cansam de chamar Chico, Gil e Caetano, de poetas da MPB (mesmo havendo coisas horríveis na MPB que são aplaudidas, mas isso eu trato num próximo texto). Tudo bem que Renato Russo e Cazuza conseguiram esse reconhecimento, mas eles são apenas as exceções que confirmam a regra. E em Belém há um duplo exílio para esse tipo de banda: são tidas como sérias demais pros adolescentes (talvez daí tenha saído o título córtex do último disco do cravo carbono); e adolescentes demais pros sérios apreciadores de canções. O exílio é confirmado pelo fato de apenas há poucos anos as rádios sem fins piratas terem inserido algumas bandas locais em suas programações normais, tirando essa produção do espremido cubículo temporal de uma hora por semana dos programas de rock. Acredito que essas bandas ensaiaram sair da catarse culinária que geralmente movimenta a cultura de massa grossa. Nelas eu percebo aqui uma benjaminiana cultura de massa fina, ou seja, uma tentativa de dar um tratamento estético para além do mero objeto de consumo descartável. Tal ousadia estética percebemos claramente nas letras de Lázaro Magalhães, por exemplo, cujas composições, juntamente com a música da sua ex-banda são objeto de estudo de mestrado em artes da aqui já citada vocalista e pesquisadora Keila Monteiro. Mas as perspectivas não são derrotistas, acho que o tempo trará um olhar mais detido sobre essas obras. Todos sabemos que os objetos estéticos têm seu próprio tempo, que prescinde da urgência do showbizz, e ultrapassa muitas vezes a própria vida de seus criadores. que o tempo comprove que a história é mãe e não madrasta.

( * ) Mestre em Letras pela Universidade Federal do Pará, poeta e letrista, Clei de Souza (pai de Aquiles e Diadorim) integra as bandas “Coisa de Ninguém” e “Quem Pariu Eutanázio”.
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