G1: Parece algo paradoxal que você tenha passado a vigiar e espionar seu marido com a obsessão irreprimível de uma esposa fiel. Voê acha que o ciúme é um sentimento indigno?
CATHÉRINE MILLET: Sim, absolutamente! Penso que o ciúme me levou a fazer coisas que a minha moral reprova. Eu sou totalmente contra a transparência na vida de um casal. Cada um deve poder preservar a sua liberdade – a liberdade é sempre uma questão - e guardar uma parte de sua intimidade. Se não, um sufoca o outro! O ciúme é um sentimento muito primário. Os animais são ciumentos. Esta é a razão pela qual eu prefiro falar de pulsão.
G1: Você se revela dominada pelo ciúme como uma mulher comum… Escreveu Jour de souffrance como uma maneira de tentar se curar dessa “pulsão”? Como uma forma de terapia?
CATHÉRINE: Escrevi Jour de souffrance para dizer que a liberdade sexual não nos protege contra o ciúme. O meu caso não é uma exceção: eu conheci vários libertinos ciumentos! Aliás, um libertino pode também gozar, de uma maneira perversa, com o próprio ciúme. E eu também quis mostrar isso no livro. Mas, respondendo a sua pergunta, não, escrever não representa uma terapia para mim. Para que eu pudesse trabalhar nesse livro, preciseu olhar para aquela que eu fui com um certo distanciamento. Por isso eu emprego sempre os verbos no passado. Na verdade, eu deixei ques passassem muitos e longos anos antes de começar a escrever esse livro.
G1: Muitos leitores compraram e leram A vida sexual de Cathérine M. pelo seu conteúdo erótico. Eles ficarão desapontados com a leitura de Jour de souffrance?
CATHÉRINE: Aqueles que leram A vida sexual de Cathérine M. como um romance-pornô – e eles tinham o direito de fazê-lo – certamente não encontrarão as mesmas fontes de excitação no novo livro. Por outro lado, não são poucas as passagens “sexuais” em Jour de souffrance! Mas aqueles que o leram como um testemunho sobre a sexualidade feminina, sobre a liberdade sexual, encontrarão agora uma nova reflexão sobre as contradições do ser humano – contradições que, eu acredito, jamais terão solução. Tanto que, num determinado momento, pensei em usar como título Complemento de informação… Mas há também outras coisas no livro: sobre as fantasias, sobre a masturbação, sobre a dor física que se substitui à dor moral, sobre a psicanálise etc.
G1: Você acha ques críticas que recebeu ao lançar A vida sexual de Cathérine M. se devem ao fato de você ser uma mulher?
CATHÉRINE: Nem todas, mas seguramente um grande número delas. Como, na nossa sociedade, a igualdade entre homens e mulheres é, “em princípio”, reconhecida, as críticas machistas eram hipócritas. Não me reprovavam o fato de eu ter contado a minha vida sexual – pois isso eles admitiam que eu tinha o mesmo direito de fazer que um homem. Mas interpretavam como ninfomania o que era simplesmente uma liberdade sexual assumida. Jean Baudrillard me classificou como uma “virgem louca”. Resumindo, se um homem tivesse escrito as mesmas coisas, seria chamado de “libertino” ou “pegador”. Enquanto eu era necessariamente, aos olhos de alguns, uma “neurótica”. Além disso, eu tive contra mim a oposição de libertinos cuja concepção da libertinagem é que ela deve permanecer secreta. Para eles, o sigilo faz parte do prazer da transgressão. Digamos que eles não compartilham a concepção “democrática” da liberdade sexual que é a minha.