quarta-feira, 23 de março de 2016

Política



"A Justiça Penal “não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados”."


Opinião

Não é a má utilização do processo penal que fará o Brasil melhorar

em:
Consultor Jurídico


23 de março de 2016, 16h28
 
Em belíssima entrevista, veiculada na revista eletrônica Consultor Jurídico, o advogado Alberto Toron afirmou, com a clareza e lucidez que lhe são peculiares, que “ou respeitamos as formulas do processo ou nem precisamos do processo! E voltamos para a barbárie”.
Merece ainda ser destacada outra afirmação do advogado: “Do mesmo jeito que é importante ter segurança contra a criminalidade, é importante ter segurança contra o arbítrio dos agentes estatais, contra a prepotência dos agentes estatais. O papel do advogado é exatamente esse, conter o arbítrio”.
O constitucionalista Luís Roberto Barroso — muito antes de ser ministro do Supremo Tribunal Federal — afirmava que “a repressão à criminalidade é uma necessidade imperativa de qualquer sociedade. Deve ser efetivada com presteza, seriedade e rigor. Mas há limites muito nítidos”, sendo que “qualquer transigência, aqui, é o sacrifício do Direito no altar das circunstâncias” (O País das Provas Ilícitas, in Jornal do Brasil).
Os brasileiros precisam entender que submeter um juiz aos limites da lei e da Constituição Federal não é nenhum atentado contra a garantia da independência judicial. É a Constituição Federal que assegura a todos, indistintamente, a garantia de um processo justo, onde sejam assegurados o contraditório e ampla defesa (artigo 5º, LV da CF), rejeitadas as provas obtidas por meios ilícitos (artigo 5º, LVI da CF) e motivadas as decisões judiciais (artigo 93, IX da CF).
O poder de punir do Estado não pode ser exercido de forma arbitrária. A Justiça Penal “não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados”. (STF, Ap. 307-3, Ilmar Galvão, DJ 13.10.95).
Não podemos admitir que o processo penal retorne aos tempos da inquisição, quando as execuções públicas eram apreciadas — e aplaudidas — pela população. E nem que o combate à corrupção sirva de fundamento para que aqueles que se julgam do “bem” busquem, a qualquer custo, a punição de quem consideram do “mal”.
Podemos não gostar do PT, do PMDB, de Lula, Dilma ou de Eduardo Cunha. Mas isso não significa dizer que devemos aplaudir quando as garantias dos cidadãos — e de seus advogados — são violadas. Hoje as vítimas dos abusos são os políticos, os empreiteiros, os vilões do momento. Amanhã pode ser um de nós, um familiar, ou um amigo.
Hoje o acusado é preso para forçar uma delação premiada. Amanhã, diante da resistência em fazer a delação, talvez mandem prender a mãe, o pai, avós ou os filhos menores desse mesmo acusado. Talvez até uma tortura leve, quem sabe uns choques elétricos. Afinal, meras irregularidades — eufemismo agora utilizado para as ilegalidades — devem ser toleradas no combate à corrupção.
As normas que regem o processo penal foram editadas em beneficio de todos. Servem para proteger culpados e inocentes. São limites ao poder punitivo do Estado, que não pode tudo no combate ao crime.
É preocupante a troca de funções hoje existente: a imprensa passou a julgar e a Justiça a exercer o papel de sua informante. Já existem pessoas avaliando a culpa dos acusados com base em pesquisa de opinião pública. Uma loucura completa.
Lembro que Toron, 15 anos atrás, já advertia que “com esta forma de pensar, esquece-se que, numa sociedade edificada sobre a base da dignidade humana, estampada na Constituição como valor reitor (artigo 1º, III, da CF/1988) e que presume a inocência do cidadão (artigo 5º, LVII, CF/88), não se pode conviver com a execração pública, degradação e linchamento moral dos cidadãos, ainda que abastados, como forma de exercício do poder, tal qual se fazia sob o absolutismo. Por outras palavras, o que ontem se combateu como opressão dirigida aos segmentos desfavorecidos, porque afrontoso aos Direitos Humanos, não pode, perversamente, vir validado e aplaudido hoje, como se fosse a “democratização do direito penal” ou a da cobertura da imprensa, que agora também atinge os ricos” (Notas sobre a mídia nos crimes de colarinho branco e o Judiciário: os novos padrões. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 36/2001 | p. 257 - 272 | Out - Dez / 2001).
Os brasileiros precisam refletir sobre esses temas. Não é a má utilização do processo penal que fará o Brasil melhorar. O processo penal é meio de proteção do cidadão contra os arbítrios do Estado. Não podemos esquecer disso.
Parabéns Toron. E parabéns à ConJur.

domingo, 20 de março de 2016


Em:
FOLHA DE SÃO PAULO
Frederico Vasconcelos
Interesse Público
(link)

20/03/2016  14:30

“Questões complexas longe do senso comum”

POR FREDERICO VASCONCELOS
O texto a seguir é de autoria de Roberto Wanderley Nogueira, juiz federal no Recife.

As intranquilidades do cenário social e político brasileiro exigem compreensão e clareza sobre os acontecimentos que se sucedem, bem antes de que se nos deixemos sensibilizar por repercussões midiáticas no sentido da consolidação de versões apaixonadas, para o um lado ou para o outro, antes de realmente esclarecidas.
Pois bem. Os atos processuais são públicos. O sigilo de Justiça é exceção. O povo tem direito fundamental ao governo honesto em suas diversas esferas de atuação. Não há inflexão possível para esse paradigma constitucional.
Por isso mesmo, nada do que se passa nos bastidores do poder pode permanecer infenso ao povo, ao seu escrutínio, porque o povo é o poder emanado e somente em seu nome será exercido na democracia representativa. Assim, não se cogita de ilegalidade alguma o decreto judicial de sigilo processual e a sua suspensão pelos motivos lá fundamentados.
O tirocínio de conveniência legal sobre as possibilidades de se instituir sigilo processual de rotinas investigativas compete exclusivamente ao juiz natural no âmbito do processo regular. E o que basta à conduta de um magistrado revestido de função jurisdicional para isso é o seguinte: fundamentar os seus veredictos e nada além.
O que sobejar a mais é especulação ou ideologismo (no pior de seus sentidos, o da manipulação da opinião pública em favor do antidireito). Talvez diversionismo que pode servir ao propósito de alguma defesa indireta que já não sustente uma frontal objeção ao argumento de imputação específico.
Com toda certeza, cada caso é um caso e o exame abalizado de cada um deles exige o conhecimento direto dos autos respectivos, pois do contrário apenas especulamos. Em tese, porém, pode-se afirmar que se um advogado entra em conluio com o seu cliente, aquele se torna cúmplice deste em caso de delinquência.
Piero Calamandrei – “Eles os Juízes, vistos por Nós, os Advogados” – ensinou que não nos preocupássemos demais com os advogados que, ao perderem suas causas, desanquem a falar aos borbotões dos magistrados que não os favoreceram.
Que ninguém se anime a tirar conclusões precipitadas sobre questões altamente complexas que andam longe do entendimento do senso comum. Para se combater a corrupção sistêmica, por exemplo, não se pode compreender que um Estado seja tíbio em sua ação persecutória, pois do contrário o Estado seria engabelado pela corrupção. Nenhum cidadão de bem vai jamais querer que isso aconteça. É a tranquilidade das atuais gerações e a saúde das futuras que está em jogo.
A história pede sempre passagem!
Repórter especial, trabalha na Folha desde 1985. No blog, reúne textos investigativos, aborda gastos públicos, política nacional e judiciário. É autor dos livros 'Fraude' e 'Juízes no Banco dos Réus'.

Perfil

Frederico FasconcelosFrederico Vasconcelos é repórter especial da Folha, onde trabalha desde 1985. Nasceu em Olinda (PE), em 1944. Formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, exerce a profissão desde 1967.
Começou sua carreira em Recife como repórter da sucursal Norte/Nordeste da antiga revista “Manchete”. Foi repórter, editor e secretário de redação da “Gazeta Mercantil”, em São Paulo.
É autor dos livros “Fraude” (Scritta, 1994), que revela os bastidores das importações superfaturadas de equipamentos de Israel no governo Orestes Quércia, em São Paulo, “Anatomia da Reportagem – como investigar empresas, governos e tribunais”, editado pela Publifolha e “Juízes no Banco dos Réus” (Publifolha, 2005) sobre investigações jornalísticas que realizou na Justiça Federal paulista durante seis anos. Este livro recebeu o Prêmio Jabuti em 2006, segundo colocado na categoria livro-reportagem.
Pelos seus trabalhos, recebeu, entre outros, o Prêmio Esso, o Prêmio Bovespa de Jornalismo, o Prêmio BNB de Imprensa, o Prêmio Icatu de Jornalismo Econômico e foi finalista do “Premio a la Mejor Investigación Periodística de un Caso de Corrupción”, do Intituto Prensa y Sociedad e Transparency International Latinoamérica y El Caribe.
Nas horas vagas, dedica-se a outro teclado: toca piano (Jazz e MPB).