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RECORDANDO
Respeitada crítica de arte, fundadora da conceituada revista ArtPress, a francesa Cathérine Millet escandalizou Paris e o mundo em 2001, ao lançar A vida sexual de Cathérine M. (Ediouro, 180 pgs. R$29). No livro, ela conta abertamente que, na juventude, nos anos 70, chegou a ter relações com até 50 homens na mesma noite, das mais variadas formas (evitemos entrar em detalhes…). Atores, executivos, políticos, artistas, escritores (mas também anônimos torcedores num estádio de futebol, ou dois cozinheiros negros “de corpos magníficos”), enfim, tout Paris se deitou com ela, em clubes privados, em carros, em bancos de bosque ou mesmo na grama do Bois de Boulogne. “Trepar, para mim, era um estilo de vida”, Cathérine declarou numa entrevista. Ainda estava nessa onda quando conheceu seu marido, o romancista Jacques Henric. Os dois embacaram num casamento aberto que já dura quase 30 anos. Aliás, pegando carona no sucesso da mulher, Henric lançou Legendes de Cathérine M. (Denoel, 204 pgs EUR19), com fotos dela nua em variadas posições e cenários.
RECORDANDO
O ciúme depois da orgia
http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2009/06/
sáb, 27/06/09
por Luciano Trigo
Respeitada crítica de arte, fundadora da conceituada revista ArtPress, a francesa Cathérine Millet escandalizou Paris e o mundo em 2001, ao lançar A vida sexual de Cathérine M. (Ediouro, 180 pgs. R$29). No livro, ela conta abertamente que, na juventude, nos anos 70, chegou a ter relações com até 50 homens na mesma noite, das mais variadas formas (evitemos entrar em detalhes…). Atores, executivos, políticos, artistas, escritores (mas também anônimos torcedores num estádio de futebol, ou dois cozinheiros negros “de corpos magníficos”), enfim, tout Paris se deitou com ela, em clubes privados, em carros, em bancos de bosque ou mesmo na grama do Bois de Boulogne. “Trepar, para mim, era um estilo de vida”, Cathérine declarou numa entrevista. Ainda estava nessa onda quando conheceu seu marido, o romancista Jacques Henric. Os dois embacaram num casamento aberto que já dura quase 30 anos. Aliás, pegando carona no sucesso da mulher, Henric lançou Legendes de Cathérine M. (Denoel, 204 pgs EUR19), com fotos dela nua em variadas posições e cenários.
Depois do escândalo do primeiro livro, que vendeu 2 milhões de exemplares no mundo inteiro, o que ninguém esperava era que o tema de seu novo volume de confidências fosse… o ciúme. Em A outra vida Cathérine M. (no orginal, Jour de souffrance; Agir, 200 pgs. R$39), a escritora, hoje com 60 anos, revela o ciúme incontrolável que passou a sentir do marido, como a mais fiel das esposas, ao se dar conta de que não era “a única” - algo no mínimo estranho, nas circunstâncias. Mas desde quando o ciúme é um sentimento racional?
As vésperas de embarcar para o Brasil, onde participará da FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty, Cathérine Millet respondeu gentilmente, por e-mail, a algumas perguntas que lhe enviei.
G1: Parece algo paradoxal que você tenha passado a vigiar e espionar seu marido com a obsessão irreprimível de uma esposa fiel. Voê acha que o ciúme é um sentimento indigno?
CATHÉRINE MILLET: Sim, absolutamente! Penso que o ciúme me levou a fazer coisas que a minha moral reprova. Eu sou totalmente contra a transparência na vida de um casal. Cada um deve poder preservar a sua liberdade – a liberdade é sempre uma questão - e guardar uma parte de sua intimidade. Se não, um sufoca o outro! O ciúme é um sentimento muito primário. Os animais são ciumentos. Esta é a razão pela qual eu prefiro falar de pulsão.
G1: Você se revela dominada pelo ciúme como uma mulher comum… Escreveu Jour de souffrance como uma maneira de tentar se curar dessa “pulsão”? Como uma forma de terapia?
CATHÉRINE: Escrevi Jour de souffrance para dizer que a liberdade sexual não nos protege contra o ciúme. O meu caso não é uma exceção: eu conheci vários libertinos ciumentos! Aliás, um libertino pode também gozar, de uma maneira perversa, com o próprio ciúme. E eu também quis mostrar isso no livro. Mas, respondendo a sua pergunta, não, escrever não representa uma terapia para mim. Para que eu pudesse trabalhar nesse livro, preciseu olhar para aquela que eu fui com um certo distanciamento. Por isso eu emprego sempre os verbos no passado. Na verdade, eu deixei ques passassem muitos e longos anos antes de começar a escrever esse livro.
G1: Muitos leitores compraram e leram A vida sexual de Cathérine M. pelo seu conteúdo erótico. Eles ficarão desapontados com a leitura de Jour de souffrance?
CATHÉRINE: Aqueles que leram A vida sexual de Cathérine M. como um romance-pornô – e eles tinham o direito de fazê-lo – certamente não encontrarão as mesmas fontes de excitação no novo livro. Por outro lado, não são poucas as passagens “sexuais” em Jour de souffrance! Mas aqueles que o leram como um testemunho sobre a sexualidade feminina, sobre a liberdade sexual, encontrarão agora uma nova reflexão sobre as contradições do ser humano – contradições que, eu acredito, jamais terão solução. Tanto que, num determinado momento, pensei em usar como título Complemento de informação… Mas há também outras coisas no livro: sobre as fantasias, sobre a masturbação, sobre a dor física que se substitui à dor moral, sobre a psicanálise etc.
G1: Você acha ques críticas que recebeu ao lançar A vida sexual de Cathérine M. se devem ao fato de você ser uma mulher?
CATHÉRINE: Nem todas, mas seguramente um grande número delas. Como, na nossa sociedade, a igualdade entre homens e mulheres é, “em princípio”, reconhecida, as críticas machistas eram hipócritas. Não me reprovavam o fato de eu ter contado a minha vida sexual – pois isso eles admitiam que eu tinha o mesmo direito de fazer que um homem. Mas interpretavam como ninfomania o que era simplesmente uma liberdade sexual assumida. Jean Baudrillard me classificou como uma “virgem louca”. Resumindo, se um homem tivesse escrito as mesmas coisas, seria chamado de “libertino” ou “pegador”. Enquanto eu era necessariamente, aos olhos de alguns, uma “neurótica”. Além disso, eu tive contra mim a oposição de libertinos cuja concepção da libertinagem é que ela deve permanecer secreta. Para eles, o sigilo faz parte do prazer da transgressão. Digamos que eles não compartilham a concepção “democrática” da liberdade sexual que é a minha.